Nos últimos 12 meses, o futebol britânico teve de deixar sua zona de conforto quanto ao racismo e antissemitismo e se viu forçado a reconhecer que esses males não foram erradicados do esporte no Reino Unido, e muito menos na Europa continental.
O catálogo de incidentes raciais exemplificado pelos casos de Luis Suárez e John Terry, pelos abusos sofridos por uma equipe juvenil negra em Leicester, algumas semanas atrás, e pelos horrorosos acontecimentos em Roma há algumas noites sublinham a seriedade da situação.
Maurizio Degl' Innocenti - 24.ago.12/Efe | ||
Giancarlo Abete, presidente da Federação Italiana de Futebol, dá entrevista coletiva em Florença, na Itália |
A recusa dos jogadores negros de usar a camiseta "Respect" não causou surpresa à FA, federação inglesa de futebol, ou ao sindicato dos jogadores, conhecido como PFA; ambas as organizações sabiam há meses das queixas dos jogadores negros, e as ignoraram repetidamente.
O incidente em Clattenberg uma vez mais ilustrou a reação da indústria do futebol, que se limitou a dizer que questões como essa devem ser resolvidas pelas autoridades do esporte. O fracasso da FA e dos clubes em monitorar incidentes raciais de acordo com a definição do relatório Macpherson sobre racismo institucional, adotada 14 anos atrás como referência legal no Reino Unido e estipulando que um incidente deve ser definido como racial quando a vítima ou qualquer outra pessoa acredita que o seja, é lastimável. E resulta em que tanto torcedores quanto jogadores deixem de denunciar como racismo os incidentes que presenciam.
A SBL (Sociedade dos Advogados Negros Britânicos), foi acusada de "ingenuidade", de "buscar publicidade", de não ser "útil" e de estar "procurando trabalho", em seus esforços para tentar contestar o racismo no futebol. Organizações ou indivíduos que falam sobre direitos humanos raras vezes são recebidos de forma positiva por aqueles cuja inação ou conluio com o racismo estão sendo contestados.
A FA, a PFA, a Premier League (que organiza o campeonato inglês de primeira divisão) e a Football League (responsável por outras competições do futebol inglês e galês) precisam compreender que os crimes de ódio são uma experiência humilhante e dolorosa, quer a vítima seja um jogador de futebol profissional ou um adolescente em campo para uma partida juvenil na manhã de domingo.
O racismo e o antissemitismo no futebol são problemas para todos, e aqueles que acreditam que não deveriam ser tratados coma questão judicial estão tristemente enganados. Uma das consequências dessa complacência é que os campos de futebol, com algumas notáveis exceções, continuam a ser território que só recebe bem os brancos. A SBL está ciente de que diversos clubes de Londres têm um histórico de abusos
antissemitas, denunciados pelo humorista judeu David Baddiel. A ideia de que os torcedores do Tottenham, menos de 5% dos quais são judeus, aceitem como brincadeira o uso de um termo associado ao genocídio, massacre e humilhação é um insulto à inteligência de todos.
A conexão entre os revoltantes incidentes em Roma e os cânticos antissemitas dos torcedores é evidente. Não existe ironia nisso - apenas insensibilidade e ignorância da pior espécie. O pavoroso ataque aos torcedores do Tottenham em Roma e o cântico de "Juden Tottenham" dos torcedores do Lazio foram condenados por Giancarlo Abete, presidente da federação italiana de futebol, como "um ataque inadmissível que macula a imagem de nosso futebol".
Palavras como essas serão apenas retórica a não ser que a resposta da União Europeia de Futebol (Uefa) e outras organizações a esse abuso sistemático envolva interromper as partidas, identificar os perpetradores e, caso as agressões continuem, cancelar o jogo concedendo a vitória ao outro time. Será preciso um efeito dissuasório sério para forçar os clubes e os torcedores a impedir que a agenda seja ditada por um pequeno grupo de racistas.