Entre mendigos e escombros, Fonte Nova agoniza à espera da ressurreição em 2014

31.7.09 | Marcadores:
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Interditado desde a tragédia de 2007, estádio baiano apresenta cenário deprimente enquanto obras para construção da nova arena não começam


A justificativa faz lembrar a história do filho que rebate a ordem da mãe para arrumar a cama alegando que terá que desfazê-la no fim da noite. À espera da restauração para a Copa do Mundo de 2014, a Fonte Nova apodrece a olho nu. Interditada desde o dia 25 de novembro de 2007, quando sete torcedores perderam a vida na maior tragédia da história do futebol nacional, o estádio Octávio Mangabeira é a imagem da melancolia e do abandono.

Cahê Mota/GLOBOESPORTE.COM

Mendigo dorme em frente a uma das bilheterias da Fonte Nova. Moradores de rua tomaram conta do local


Esqueça o batuque dos torcedores do Bahia ou as jogadas de ídolos da Boa Terra, como Bobô, Charles, Beijoca e Edilson. O maior palco do futebol nordestino tem outros protagonistas. No lugar dos craques, mendigos tomaram conta do local, que, entre entulhos e treinamentos de novos motoristas em busca da carteira de habilitação, se escora na história de 58 anos de festas, abalada pela fatídica despedida no duelo entre Bahia e Vila Nova pelo Campeonato Brasileiro de Série C de 2007.

Galeria de fotos: imagens exclusivas do estado atual da Fonte Nova!

Em visita ao estádio, o GLOBOESPORTE.COM se surpreendeu com uma Fonte Nova velha, onde os maiores pontos turísticos passaram a ser os buracos na arquibancada ainda expostos por ordem judicial e as sete cruzes no ponto exato da queda, como forma de homenagem aos torcedores mortos. O cenário se torna ainda mais depressivo se levado em conta as condições sub-humanas na qual vivem moradores de ruas abrigados nos arredores do local.

- Não faz sentido realizar uma manutenção no espaço que era destinado ao futebol porque estaríamos gastando dinheiro público em um local que em breve será completamente remodelado. A Fonte Nova atual não vai existir mais. Temos zelo pela Vila Olímpica, pelo entorno do estádio, mas não há necessidade de se gastar – justificou Raimundo Nonato Tavares da Silva, o Bobô, diretor geral da Sudesb, órgão que comanda o local, e protagonista dos momentos mais marcantes da Fonte Nova, com a camisa do Bahia.

Mendigos: Sudesb se esquiva e ressalta projetos sociais

Vítimas da tragédia de 2007 são lembradas com cruzes no local do acidente

Com licitação aberta no segundo semestre desse ano pelo governo estadual, a expectativa é de que as obras para a construção da Arena Fonte Nova para a Copa de 2014 tenham início nos primeiros meses de 2010, com a demolição da estrutura atual (assista ao vídeo abaixo com o projeto do novo estádio). Entretanto, se o palco do futebol ao menos tem datas e perspectivas para que seja ressuscitado, a questão social que envolve o local esbarra em um conflito de interesses para que seja solucionada.

Responsável pela gestão do complexo esportivo, a Sudesb lava as mãos quando o assunto é a presença de mendigos no entorno da Fonte Nova.

- Isso não é função nossa. O que a gente já fez foi isolar a área do estádio, proteger o Antônio Balbino (ginásio pertencente ao complexo), mas mesmo assim eles (mendigos) invadem. Procuramos fazer uma limpeza constante do local. A solução seria transferir esse pessoal, mas os próprios não têm interesse e vivem ali, por ser próximo do centro da cidade. A prefeitura, que devia tomar essa atitude, ainda não assumiu a missão. Apesar das reiteradas manifestações da Sudesb – disse chefe de gabinete do órgão, Aécio Pamponet.

Mais do que a perda da Fonte Nova para a realização de eventos esportivos e culturais, a interdição afetou também atividades sociais que faziam parte da rotina do complexo. A escola estadual localizada no local, por exemplo, está desativada desde o dia da tragédia.

Diante do panorama atual, a utilização do parque aquático para ações de incentivo a prática esportiva ao menos impedem que o local receba a alcunha pejorativa de elefante branco. Segundo Bobô, há projetos que envolvem as mais variadas camadas da sociedade, que tiveram início nas instalações da Fonte Nova e se expandiram para o interior da Bahia com o objetivo de fomentar o esporte e dar apoio aos atletas do estado.

- A Fonte Nova segue recebendo atividades sociais expressivas. Trabalhamos com atletas de alto rendimento como também com cidadãos, com esportes como natação, hidroginástica, entre outros. É um trabalho muito abrangente para fomentar o esporte, que nunca deixou de existir. É uma forma de unir esporte, lazer e inclusão social. Recebemos também deficientes, idosos... Temos alunos até de 100 anos.

Interior deve herdar e eternizar parte da história

Gramado da Fonte Nova recebe manutenção e será doado para cidade do interior da Bahia

Entre sacos de lixos, escombros e estruturas deterioradas, é possível perceber a preservação de parte da história gloriosa da Fonte. Placas comemorativas das passagens da seleção brasileira pelo estádio, por exemplo, são cuidadas e devem ser remanejadas para a nova arena.
Para não se dizer que o abandono é total, é necessário ressaltar também o trabalho de manutenção de dois elementos que devem eternizar em novos palcos o passado do estádio Octávio Mangabeira: o gramado e o placar eletrônico. O objetivo da Sudesb é doá-los, e o município de Lauro de Freitas, na Grande Salvador, surge como favorito para receber o presente.

- Pretendemos repassar o que for reutilizável para que não se perca, como o placar eletrônico e o gramado, que, apesar de necessitar de alguns reparos, pode ser útil para cidades do interior – revelou Bobô.

Em “coma induzido” há cerca de um ano e meio, a Fonte Nova doa os órgãos que lhe restam, como forma de eternizar o passado e em busca de um recomeço em grande estilo. Em plena Copa do Mundo.

Um salão de festas acostumado com casa cheia

Quadro na sede da Sudesb é a única lembrança dos Ba-Vis com casa cheia na Fonte Nova

Inaugurada em 28 de janeiro de 1951, a Fonte Nova ficou marcada pela presença maciça dos fanáticos torcedores baianos ao longo dos tempos. Palco histórico do Esporte Clube Bahia, o estádio tem como maior público o duelo entre o Tricolor da Boa Terra e o Fluminense, pelas semifinais do Campeonato Brasileiro de 1988, com 110.438 pagantes e lotação máxima com 120 mil presentes.

No último ano de funcionamento, o estádio teve a honra também de ser responsável pela maior média de público do futebol brasileiro, em 2007. Apesar de estar na Série C do Brasileirão, o Bahia ficou a frente de clubes como Flamengo e Corinthians, com 40,4 mil torcedores por partida. O Tricolor, por sinal, fez da Fonte sua casa. Foi lá que o clube conquistou 43 títulos estaduais, duas Copas do Nordeste, a Taça Brasil de 1959 e disputou a primeira partida da decisão do Brasileiro de 88.

Dono do estádio Manoel Barradas, o Barradão, o Vitória também tem história para contar na Fonte Nova, onde disputou em 1993 a final do Brasileirão, diante do Palmeiras. Além de eventos esportivos, o estádio recebeu também acontecimentos culturais. Destaque para a gravação do DVD da cantora Ivete Sangalo, em 2005, com a presença de 80 mil pessoas.

Cahê Mota/GLOBOESPORTE.COM

Por ordem judicial, buracos da tragédia seguem abertos e cobertos apenas por placas de alumínio

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