Perfil - JOANA HAVELANGE, Diretora executiva do Comitê Organizador do Mundial
Diretora executiva do Comitê Organizador da Copa de 2014, Joana Havelange nem tinha nascido ainda quando o avô, João Havelange, encerrou em 1974 um ciclo de 16 anos como presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD, entidade que comandava o futebol) e iniciou um longo período à frente da Fifa - até 1998.
Um ano, depois, já adolescente, Joana viu o pai, Ricardo Teixeira, tomar o controle da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e, aos poucos, estender seu domínio sobre o futebol nacional e sul-americano por mais de duas décadas.
Teixeira vai dirigir a CBF até 2014. Após o Mundial, pretende imitar o ex-sogro e seguir em classe executiva para Zurique, sede da Fifa.
A família, porém, não deve perder o filão. Avô e pai já definiram quem deve ditar o ritmo do esporte mais popular do País, sabe-se lá por quanto tempo: Joana Havelange, 33 anos, formada em administração, com pós-graduação em marketing, ex-jogadora profissional de basquete nos Estados Unidos e leitora apaixonada de João Havelange - o Dirigente Esportivo do Século XX.
Seu exemplar do livro lançado em fevereiro, no Rio, é agraciado com uma dedicatória afetuosa do autor - uma retribuição ao texto estampado na contracapa em que Joana declara sua gratidão ao presidente de honra da Fifa. "Pelo carinho e aprendizado no doce convívio, pelo seu exemplo de liderança, conselhos e ensinamentos profissionais, você, meu avô, é tudo para mim, é hoje a maior influência na minha vida."
Um dos trunfos da jovem dirigente que já atuou no mercado financeiro, a exemplo do pai, é a versatilidade em idiomas. Fala inglês, francês e espanhol com fluência. Isso facilita sua projeção em seminários, congressos e workshops internacionais promovidos pelo Comitê Organizador da Copa (COL) e pela Fifa.
Eloquência. O sobrenome vale mesmo como uma credencial de luxo. Os mais antigos da Fifa, como o atual presidente, Joseph Blatter, e colegas do avô no comitê executivo, lhe são extremamente gentis. No Brasil, as reverências são ainda mais eloquentes quando partem de outros dirigentes esportivos ou dos comitês das 12 cidades que vão receber jogos no Mundial.
Para o consultor jurídico do COL, Francisco Müssnich, Joana "é uma profissional extremamente capaz e dedicada". Há quem faça elogios, mas com ressalvas à perpetuação da família no poder do futebol. "É jovem, dinâmica. Quanto a isso, tudo bem. Outra coisa é a CBF ter que passar para as mãos dela, como herança. Isso não existe. A CBF não é Império", conclui o presidente da Federação de Futebol de Pernambuco, Carlos Alberto Oliveira.
Reservada diante de estranhos ou em eventos públicos, Joana Havelange parece mais desinibida na presença de amigos. Às vezes, não mede esforços para agradar. Não faz muito tempo, participou de um jantar num restaurante japonês, no Rio, com um grupo de 15 pessoas. Na hora da conta, pediu silêncio, levantou a voz e recebeu aplausos: arcaria com as despesas.
No COL, no entanto, é uma figura blindada. Isso se acentuou ainda mais por causa das recentes denúncias na Europa de que Ricardo Teixeira e João Havelange estariam envolvidos em atos de corrupção. Com autoridade, a diretora do comitê mantém contato com as 12 sedes do Mundial, cobra prazos, convoca reuniões por e-mails e, às vezes, passa a imagem de quem se preocupa apenas com o sucesso do COL - uma empresa privada presidida por Ricardo Teixeira e criada a partir de recursos da Fifa.
Representantes do governo federal já reclamaram mais de uma vez que falta a Joana uma visão mais ampla do Mundial, de seu legado.
A discrição no trabalho evita constrangimentos. Joana é avessa a entrevistas, foge dos holofotes. Já o outro diretor executivo do COL, Ricardo Trade, não parece ter a mesma cautela. Em fevereiro, ele informou que o Brasil poderia recorrer a "esquemas alternativos" para solucionar o problema da falta de estrutura nos aeroportos. Teixeira não gostou da repercussão de suas declarações e o repreendeu.
Assídua. A filha do presidente da CBF e do COL dispõe de uma sala e de alguns funcionários no condomínio Le Monde, numa área nobre da Barra da Tijuca. O comitê ocupa um andar inteiro no edifício Toronto 1000. Joana vai quase todos os dias ao local, cumpre à risca uma rotina que inclui muitas viagens e troca de telefonemas diários com o pai.
Ultimamente, ela tem se deslocado todas as semanas para a Marina da Glória, a fim de organizar o espaço que vai abrigar no final de julho o sorteio preliminar dos grupos das Eliminatórias do Mundial. O primeiro evento oficial da Copa deve atrair centenas de jornalistas e dirigentes de vários países.
Antes de atuar no COL, Joana apostou seu futuro no mundo da moda. Foi sócia de uma grife de bolsas, a Jo Havelange, e participou de exposições na Feira de Prêt-à-porter, em Paris, e outras em Nova York, Rio e São Paulo. O negócio não avançou como ela queria.
Em outubro de 2007, com a confirmação de que o Brasil seria a sede do Mundial de 2014, Ricardo Teixeira começou a semear a ideia de que Joana deveria se interessar mais pelos negócios do futebol. Ela resistia.
Joana teve experiência no planejamento de dois campeonatos mundiais de futebol de areia, promovidos pela Fifa, em 2005 e 2006, mas não queria abrir mão das horas de lazer em sua cobertura na Barra da Tijuca, com vista para o mar. Conversou sobre isso com o pai e também ouviu o avô.
Altas receitas. Pouco a pouco, um argumento sólido a convenceria de que a CBF é uma fonte inesgotável de bem-aventuranças. Somente em 2010, a entidade recebeu cerca de R$ 200 milhões de patrocinadores. Com a proximidade da Copa, as receitas tendem a se avolumar. Recursos, prestígio e nome estariam a serviço de Joana Havelange para um novo salto pós-2014.
Num discurso em setembro do ano passado, numa conferência realizada no Rio, Joana deu sinais de que assimilara a missão ao ressaltar o desafio do COL em fazer um Mundial com transparência e credibilidade. Depois, sinalizou o interesse pela abrangência da Copa. "Nossa preocupação é com a imagem que vamos passar para o resto do mundo."
Um Mundial bem organizado e lucrativo seria o ato final de Teixeira para tentar a presidência da Fifa.
Até 2014, Joana e os demais diretores do COL vão desfrutar de salários pomposos. Não são revelados. Mas as especulações menos ousadas indicam que um dirigente recebe no mínimo R$ 50 mil por mês. Os valores são corrigidos gradativamente.
No ano da Copa, Ricardo Teixeira vai alcançar a incrível marca de 25 anos como presidente da CBF, em cinco reeleições sem adversários de peso. Somados aos 16 anos de João na CBD, a família ficaria apenas a nove anos de completar meio século de controle do futebol brasileiro - não sequencial por que houve um vácuo de 15 anos entre o último mandato de João e o primeiro de Teixeira.
Se tudo correr como querem o pai e o avô, Joana Havelange, torcedora do Flamengo, não vai deixar o DNA do futebol brasileiro trocar de endereço. Uma projeção que segue a lógica do que representa o poder na CBF nas últimas décadas. Joana, uma das mulheres mais influentes do Brasil hoje, tem uma filha, Júlia, e um filho. O nome dele é João.